mofo

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“Em 16 de Fevereiro de 1981, Sophie Calle conseguiu tornar-se criada de quarto por três semanas num hotel de Veneza. Tinha um 4º andar com doze quartos. Para ela a escrita e a fotografia foram instrumentos de precisão que lhe permitiram realizar experiências curiosas em que se empenhou a fundo e com grande seriedade.”
A 10 de Outubro de 1882, um acontecimento na história de Lisboa. Demolia-se o Passeio Público para dar origem à Avenida da Liberdade inaugurada em 1886. Pouco depois, iniciaram-se as obras da Estação do Rossio e em 1889 já se atravessava o túnel para Campolide. Ao lado da estação central construíu-se um edifício, para os administradores, da companhia real dos caminhos de ferro. Em 1892 o uso deste edifício foi adequado a um hotel (à imagem de todas as capitais europeias, onde existia um Palace à saída do principal terminal ferroviário). Tinha ainda uma entrada directa da estação para a recepção quando hospedou a lua de mel do Imperador Hiro Hito.
Desde a autorização para a construção do caminho de ferro do Vale do Vouga, em 1889, até à abertura à exploração pública do troço entre Ribeiradio e Vouzela, na Linha do Vouga, em 1913, passaram 24 anos. Só 20 anos depois, em 1933, se conclui a Avenida do Ribeiro, da Praça Luís Bandeira à Estação de Caminho de Ferro. É este o contexto, no qual emerge a Pensão.
Em 1936, aparece no guia oficial de indústria hoteleira a Pensão Avenida, tendo como única referência a localização em Oliveira de Frades.
Em 1940, no mesmo guia, aparece também pela primeira vez uma referência a outras duas hospedarias, a casa de hóspedes Glória e a hospedaria Ricardo, cada uma com 5 quartos. A Pensão Avenida tinha então nove quartos, o pequeno almoço custava 1$50, o almoço 8$00, o jantar 8$00, a diária mínima 15$00 e a máxima 17$00. Em 1942, os preços mantinham-se iguais aos de 1940.
As letras enfáticas na fachada da Pensão indicavam um mundo em que se podia confiar, dando a ilusão de um cosmopolitismo a quem viajava por estas paragens. Por ali passavam políticos, aristocratas, artistas, padres e exilados da II Guerra Mundial, exemplos de modernidade que encontraram neste edifício um lugar neutro, com um ar distante, que o faz permanecer imperturbável até aos nossos dias.
Hoje, é um daqueles casos em que não se percebe muito bem se é o edifício ou o sítio que confere consistência ao conjunto. A Pensão ocupa a quase totalidade de um talhão onde resta algum espaço para jardim, à frente, e para as couves, atrás. Aqui existe uma fachada estranha e fria, projectada pela tranquilidade da fachada urbana, quase sem autor, suavemente acrescentada e mantida ao longo do século XX. É um exemplo do que resta no mundo cada vez mais normalizado dos estabelecimentos hoteleiros.
No processo camarário apenas consta um diploma no sentido de transformar a casa do Sr. Laranjeira em Pensão, assinado pelo presidente da Câmara, Dr. Arménio Maia, em 1946. Das transformações registadas, apenas uma caiação em 1962 (há anos que a casa não sabe o que é uma demão de tinta), e uma ampliação para a casa do motor em 1976. Ainda assim, as poucas referências encontradas permitem-lhe um encanto, que, mais do que à arquitectura, fica a dever-se ao mistério que envolve os seus actuais proprietários.
As inundações assumem agora aspectos de catástrofe. As torneiras fazem escorrer a água pelo soalho infiltrando-se nas paredes. Os quartos são semelhantes a casernas abandonadas durante uma operação militar, a atmosfera estagnada, a tinta envelhecida, o cheiro a nafta e a humidade consomem o espírito. “Aqui tudo tem claridade suficiente e a deliciosa obscuridade da harmonia. Um odor infinitésimal do mais delicado gosto, a que se mistura uma certa humidade muito ligeira.” Aqui respira-se o mofo da desolação e o isolamento dos quadros de Hopper, através das ruas e bares, teatros e hotéis. Para ele, a cidade, apesar da multidão significa solidão, tema central da sua obra e de Hotel by a Railroad de 1952.
Na pintura, na literatura, no cinema e na vida real, a Pensão é um lugar altamente simbólico de um pequeno mundo, pleno e à parte, no qual nos podemos esconder das realidades mais adversas . A contradição e os excessos de lirismo e de imaginação subsistentes ao neo-romantismo têm, em Hundertwasser, a sua concretização em matéria de sociologia do habitat. O “Manifesto do Bolor contra o Racionalismo na Arquitectura”, datado de 1958, recusa o racionalismo da linha recta e da arquitectura funcional, afirmando a liberdade geral de construir. O texto introduz o bolor aumentado, sujeito à sua lei orgânica de expansão, que deve fazer fermentar as estruturas e rebentar a linha recta das casas. Cada habitante deve cultivar o seu próprio bolor doméstico. A metáfora do bolor torna-se, assim, a imagem parabólica da espiral expansiva do indivíduo.
Foi aqui que residiu, durante a esperança média de vida de um português a linha do vale do Vouga, agora, na sobremodernidade, parte do interesse turístico fugiu por outras avenidas e com ele a recuperação destes modelos de conforto. [FIM]

Bibliografia

HELDER, H. - “Photomaton & Vox”. Assírio e Alvim, 1995.
GRAÇA DIAS, M. – “Pensão Ninho das Águias”. In: JA n195, Março/Abril de 2000.
ALVES COSTA, A. – “Bem diferente de Lino foi Jõao Marcelino Queiroz”. In: JA n195, Março/Abril de 2000.
ESTRIGA, J. – “ Hotel do Facho, Foz do Arelho, 1910”. In: JA n196, Maio/Junho de 2000.
RIBEIRO, I. - “Raul Lino, Pensador Nacionalista de Arquitectura”. FAUP, 1994.
TEOTÓNIO PEREIRA, NUNO – “O Portugal Desaparecido”. In : Tempos, lugares, pessoas. Público.
ANTÓNIO NABAIS, CARLOS RODRIGUES, MANUEL MARTINHO – “Oliveira de Frades”. Câmara Municipal, 1991
MANUEL GUIMARÃES, ANTÓNIO VALDEMAR – ‘Grandes hoteis de portugal’.
BLUM, DANIEL e CLARA AZEVEDO, LUCIA VASCONCELOS –“Splendid Isolation-em busca do mito do grande hotel”. 1999.
JORGE , LÍDIA – “O jardim sem limites”. Planeta Agostinho. 1995.
RENNER, ROLF GÜNTER - “Edward Hopper 1882-1967 Transformações do Real. Taschen. 2003.
RESTANY, PIERRE - “Hundertwasser". Taschen. 2001.

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