mofo

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[Esta entrevista pode ser lida integralmente em www.jornaldocentro.pt]

O arquitecto paisagista Gonçalo Ribeiro Teles considera que não é muito correcto falar-se de floresta em Portugal. Lafões, se existe enquanto região, parece não funcionar numa filosofia regional. A ADRL vai promover a II Semana Florestal de Lafões, porque acredita que existe realmente uma região de Lafões e que a floresta existe em Portugal?

Para a ADRL existe Lafões sem dúvida nenhuma. É uma região natural perfeitamente delimitada e em cujo desenvolvimento estamos empenhados. Quanto à floresta, não podemos dizer que existe uma verdadeira tradição de cultivo da floresta. A floresta foi surgindo, ao longo destes anos todos, de uma forma mais uma menos espontânea, foi ocupando terrenos que foram ficando marginais relativamente à agricultura, que eram de pastoreio. Foi surgindo de forma bastante desordenada. Não se pode dizer que há uma floresta cultivada, mas há uma mancha florestal muito importante, que é a maior em termos de ocupação de território. Tem importância económica, ambiental, social, e tem vindo a sofrer muito com os incêndios, em boa medida graças ao abandono da agricultura. Havia uma relação muito forte entre o homem e a floresta, que se tem vindo a esbater ao longo dos tempos.

Como é que isso se contraria?

Importa agora inventar outras formas de relação entre o homem e a floresta. É nesse sentido que a ADRL tem vindo a organizar a semana florestal e a procurar desenvolver outros projectos, como um que temos em mente ao nível do aproveitamento dos cogumelos silvestres, com objectivos de lazer e de fins económicos. O projecto está a ser preparado. Outra forma são os trilhos pedestres, que já estão assinalados nos concelhos de Vouzela e em S. Pedro do Sul. Temos vindo a disponibilizar uma equipa técnica para fazer projectos de investimento, temos duas equipas de sapadores a trabalhar na prevenção de incêndios. E, neste momento, temos reclusos da cadeia de S. Pedro do Sul a trabalhar com a nossa equipa de sapadores.

[...]

Atrair pessoas aos espaços verdes não parece difícil, mas como é que se pode estimular os proprietários de terrenos florestais a cuidar do "mato", se isso não representar uma mais-valia?

Temos um problema grande na região, que é a estrutura fundiária e o risco de incêndios que é muito elevado. Com a estrutura fundiária que temos, as pessoas não se vão interessar pela floresta, porque cada uma tem uma série de pequenas parcelas e dispersas umas das outras. É muito caro fazer a manutenção. Por outro lado, com a tradição de incêndios periódicos, as pessoas têm que tirar dinheiro que ganham noutras actividades para investir na floresta e nem toda a gente está disposta a isso. Havia uma outra forma de intervir, que já está a ser aproveitada nalgumas freguesias, mas que é um processo difícil de levar a cabo: projectos de intervenção de forma associada. Um conjunto de proprietários florestais associam-se e fazem um plano global de intervenção nas suas propriedades. Já está um projecto aprovado em Paços de Vilarigues [concelho de Vouzela], com a intervenção da Verde Lafões, associação de produtores florestais da região. Acontece que estes têm sido processos altamente burocráticos, difíceis de conseguir, e não se têm aproveitado. Através desta forma de intervir, há medidas de apoio que chegam a financiar 95 por cento, se a gestão for feita através de uma associação. Isto não tem sido devidamente aproveitado. Por um lado, há um desinteresse por parte dos proprietários florestais, por outro lado, também há um bloqueio provocado pelos serviços da administração, porque não têm tido um papel de facilitar a implementação destas medidas. Em teoria são muito interessantes, apetece dizer que é crime não as aproveitar mas, na prática, há um conjunto de burocracias que acabam por atrapalhar os processos.

[...]

Outra medida para ultrapassar o custo da prevenção é a associação de proprietários florestais?

Uma solução interessante era a intervenção de forma associada de um grupo de proprietários com uma área mínima e a realização de planos de gestão. Essa é uma ideia. Agora, o Estado tem que desburocratizar estes procedimentos, de modo a que as associações florestais, juntamente com os produtores, possam caminhar nesse sentido.

É preocupante o estado das florestas portuguesas, mas o que é certo é que talvez nunca tenham existido tantos apoios, nomeadamente financiamentos comunitários, para a prevenção como agora.

Abundam os apoios dirigidos à floresta no quadro comunitário. Muito dinheiro. O problema que temos na floresta é o problema que temos em todos os sectores. Boa legislação, mas a aplicação no terreno falha sistematicamente. E porque é que falha? Porque as pessoas estão mal informadas? Porque não têm dinheiro para a componente de auto-financiamento? Porque os organismos da administração pública regionais e locais não facilitam o acesso a estas medidas? Porque os organismos centrais da administração também são demasiado exigentes e criam procedimentos tão difíceis que tornam inviáveis as candidaturas? Porque há atrasos de pagamento? É preciso ver o que é que falha. As medidas que temos tido para a floresta, nos últimos anos, têm sido muito boas. O programa AGRO permite financiar até 95 por cento a fundo perdido, nos casos dos projectos agrupados. Quase apetece dizer que devia ser crime as pessoas não aproveitarem esta medida de apoio e pouca gente está a aproveitar. Com a Semana Florestal pretendemos reflectir sobre isto, em conjunto.

Os pequenos proprietários interessam-se pelas medidas que têm à disposição, ou ainda é necessário uma trabalho de sensibilização?

Os pequenos proprietários procuram a ADRL para várias coisas. Mais no âmbito de candidaturas para a agricultura e a partir daí tomam conhecimento de todos os outros trabalhos da associação e procuram os serviços dos sapadores florestais. Temos lista de espera para trabalho de intervenção na floresta.

Então o problema não está nos proprietários, nas interrogações que enumerou atrás. O que é que falha?

A burocracia. O nível de exigência para a apresentação de um projecto é muito grande e as pessoas acabam por desmotivar. O grande esforço devia ser no sentido de estimular o aparecimento de projectos colectivos e aí é que surgem as dificuldades. Também há uma tradição de individualismo por parte dos proprietários.

O que é que as proprietários florestais "ganham" ao gastar dinheiro na limpeza dos seus terrenos? Podem rentabilizar o investimento?

Podem, pela produção de madeira. Dá dinheiro. Se as pessoas mantiverem as florestas limpas, reduzem as possibilidades de incêndio e vão ganhar dinheiro com a madeira, se florestarem, que é o caso do projecto agrupado de Paços de Vilarigues. As pessoas vão florestar agora e daqui a vinte anos vão ter árvores em condições de serem cortadas e de dar bom dinheiro. Neste caso do projecto agrupado, a ideia é ser feita uma gestão em conjunto através da associação, de maneira a poder defender aquela área ao longo destes anos todos, até à idade de corte.

A floresta não é uma realidade que se deva abordar isoladamente. Deve ser relacionada com a agricultura, como disse…

Com a agricultura e com o turismo. A experiência de aproveitamento dos cogumelos silvestres não é nova na Península Ibérica. Em Espanha, há regiões em que estão a explorar os cogumelos do ponto de vista turístico. Um concelho chega a ter mil visitantes por dia. Eles chamam-no mico-turismo. Criaram roteiros micológicos, guias para acompanhar os turistas, trabalharam com os restaurantes no sentido de introduzirem os cogumelos na gastronomia local, trabalharam com as escolas no sentido de introduzirem a micologia como matéria a estudar, fizeram acções de sensibilização da população para ensinar a colher os cogumelos da melhor maneira para preservar os recursos micológicos. É um trabalho à volta da floresta. Tem uma dupla vantagem. Toda a região ganha dinheiro com isto, porque os turistas gastam dinheiro e pagam para colher cogumelos; e a presença do homem na floresta está a evitar os incêndios. E, como se pretende potenciar a produção de cogumelos, a floresta tem que estar limpa.

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